Todos os anos, ao terceiro Sábado de Abril, centenas de lojas de discos independentes reúnem-se por todo o mundo, para mostrar que a música vai para além dos ipods e das grandes superfícies comerciais. Mais uma vez, Portugal esteve incluído no cartaz das celebrações do Record Store Day, que se assinalou na semana passada. Estivemos na Flur, onde a música e o carinho dos seus apreciadores fizeram esquecer um dia de céu cinzento.
O desastre foi de tal maneira determinante que Rodrigo nunca mais se esqueceu da data: 31 de Dezembro de 2008. O dia em que, no seu quarto, tropeçou num emaranhado de fios, viu o computador voar em direcção ao chão e, como se não bastasse, pisou o rato. "Sem querer, liguei o 'beat grid' e assustei-me. Comecei a ouvir um som estranho e descontrolado... mas espectacular." Nessa altura, o jovem de 15 anos já fazia experiências de música no seu quarto, por puro gosto. O acidente gerou uma curiosidade ainda maior. Começou a ouvir mais música, a estar mais atento, a frequentar lojas de discos. Uma delas foi a Flur, em Lisboa. Destino de eleição para os amantes da música electrónica e de dança, logo se tornou na sua loja favorita. A razão é simples: "Tem música que não se encontra em mais lado nenhum. É uma loja única."
Quando esteve presente no primeiro Record Store Day em que a Flur participou (em 2009), Rodrigo nem sequer sonhava que o seu nome viesse a fazer parte da programação do mesmo evento, três anos mais tarde. Agora com 18 anos e um brilho nos olhos, mostra-se incrédulo: "É surreal. Não sei o que se está a passar aqui." Com o título S/P, o EP de estreia de Rodrigo Cotrim foi um dos lançamentos exclusivos da Flur no Record Store Day 2012, que decorreu no Sábado, dia 21 de Abril.
Pelo quarto ano consecutivo, o espaço de Santa Apolónia juntou-se às centenas de lojas de discos independentes que, por todo o mundo, celebraram a arte da música. Efectivamente, quem entrou na Flur nesse dia, percebeu que este foi um Sábado atípico: mais pessoas a circular, discos a preços especiais, uma equipa de reportagem da RTP, lançamentos exclusivos (a par do EP de Rodrigo Cotrim, destacou-se a compilação Lisbon Bass) e um programa de concertos.
Pouco depois das 16 horas, enquanto um jovem manejava o gira-discos perscrutando um vinil de música house e um homem se dirigia ao balcão com um CD de Patrick Watson, o interior da loja foi invadido pelo dedilhar da guitarra de Tó Trips. A arte da música passou a manifestar-se em tempo real, na forma de quatro novos temas a solo do ex-Lulu Blind, actual Dead Combo. Ali mesmo, numa loja de discos, à disposição de qualquer um. "Já tive oportunidade de trabalhar com profissionais ligados à música e noto uma grande diferença, em comparação com os das artes performativas", afirmou Margarida Lopes (34 anos), programadora na área da Dança Contemporânea. "Esta diferença está no gosto pela partilha. O pessoal da música não se coloca em primeiro lugar, não há interferências de ego. Sempre que trabalho com eles, é um descanso. Tudo flui. Acho que o Record Store Day é uma excelente oportunidade para vasculhar a loja e aproveitar uma tarde onde tens este espaço magnífico, esta vista magnífica, estas propostas. É um luxo."
Finda a partilha de Tó Trips, com o Tejo ao fundo do corredor, a música saiu lá para fora. Na esplanada do restaurante Bica do Sapato, um palco improvisado acolheu o showcase da editora Cafetra. Rock de garagem, irreverência e uma média de idades que (no palco e em quase metade da audiência) não ultrapassava os 20 anos, tomaram conta do espaço com as actuações dos 100 Leio, Ème, Go Suck A Fuck e Smiley Face. Um banho de sangue novo, com alguns pingos de chuva à mistura, que encerrou com a energia contagiante das Pega Monstro (duas irmãs, guitarra e bateria apenas), à qual ninguém ficou indiferente.
A tarde terminou com um sorriso na expressão dos presentes e a sensação de "missão cumprida" por parte de Zé Moura, um dos responsáveis da Flur. "Não fazia a mínima ideia de como ia correr. Com a dita crise, a cada ano que passa, espero cada vez menos." Fosse a crise ou a ameaça de chuva, é certo que a afluência de pessoas este ano foi significativamente menor. "Mesmo assim", refere Zé Moura, "o dia foi muito bom, quanto a vendas. Melhor do que qualquer Sábado normal. Apesar de não ter vindo muita gente, estou muito satisfeito." Uma satisfação que não dependeu apenas dos números, mas essencialmente do espírito que na sua loja se fez sentir: "Notei que, este ano, houve gente mais interessada. Houve mais carinho".
Poucos minutos depois, enquanto o palco era desmontado lá fora, ouvimos a voz do jovem Rodrigo Cotrim: "Pessoal, trouxe um bolo que fiz em casa! Venham comer!"
http://www.flur.pt/
http://www.recordstoreday.com/
Reportagem realizada no âmbito do curso de Jornalismo e Crítica Musical (ETIC).
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