50 Words For Snow (Kate Bush, 2011)
segunda-feira, 12 de dezembro de 2011
É sempre um acto solene, o de escutar um novo álbum de uma figura tão mítica. Não só por estarmos diante da Grande Sacerdotisa do art rock e uma das intérpretes britânicas mais marcantes dos últimos 30 anos, definidora de uma nova experiência sonora no feminino - abrindo caminho para a linhagem prosseguida por Tori Amos, Bat For Lashes ou Joanna Newsom. Mas também porque Kate Bush, afastada da órbita musical desde os anos 90, só voltou a manifestar a sua arte ao fim de 12 anos (com Aerial, em 2005), regressando ao silêncio desde então.
Eis que o espírito distante ressurge novamente, com a névoa de Novembro, para nos contar sete histórias de Inverno, no novíssimo 50 Words For Snow.
Tudo começa com um floco de neve a cair. É o seu próprio filho que, no primeiro conto, personifica a leveza, a lenta aproximação ao mundo cá em baixo. "The world is so loud / keep falling / I'll find you", responde Kate, uma mão maternal estendida no ar, a outra perpetuando uma sequência minimal e hipnotizante de piano.
Em Lake Tahoe, a voz revela-se, sólida e madura (tão longe do registo que a notabilizou em Wuthering Heights), para dar corpo ao fantasma da mulher que habita o lago onde morreu afogada, à procura do seu cão. Um reencontro com a Kate Bush primordial, bela e fantasmagórica, prolongado em Misty, o conto seguinte. Não sabemos se o seu encontro amoroso/sobrenatural com um boneco de neve é sonho ou realidade, mas sentimos a paixão, a ardência, o abandono, a angústia. Piano, baixo, voz e violinos entretecem-se numa viagem envolvente de 13 minutos, pondo a descoberto a sensualidade que sempre permeou a expressão da intérprete.
Wild Man é magnífico e cinemático: uma travessia no gelo do Tibete, um grupo de exploradores, o apelo da narradora à abominável criatura perseguida ("Run away, run away"), por quem sente compaixão ("You sound lonely").
Na história seguinte, Elton John junta-se para um dueto, cantando um amor que desafia os limites do tempo, num anseio de imortalidade. Duas interpretações sinceras que precedem o exercício experimental da faixa-título, onde as 50 formas de designar a neve se desdobram sobre a cadência ácida do baixo, da bateria e da guitarra.
Por fim, a graciosidade: em Among Angels, a voz e o piano de Kate são sublimados por arranjos orquestrais. Um sinal de conforto ("I might know what you mean when you say you fall apart") e uma promessa ("I can see angels standing around you") aquecem o coração, no final desta travessia.
50 Words For Snow é um álbum atmosférico, contemplativo, cuja beleza se deixa descobrir a cada audição. Gélido, mas com a mesma dimensão emocional de sempre. A neve vai derretendo, até que o espírito distante se retira, por fim.
Confortados com a visita, esperamos pela próxima aparição de Kate Bush, com a mesma solenidade e reverência.
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