Assim que me sentei na cadeira B4 do Grande Auditório e olhei para o palco, caí na real: daí a uma hora, os Lamb iam estar ali, mesmo à minha frente. Fazia agora 10 anos que os vira pela última vez. O fim anunciado em 2004 punha também um ponto final na expectativa de revê-los. A experiência de um concerto dos Lamb era, assim, arrumada no ficheiro das memórias que não se esquecem.
Mas o Universo tem destas coisas: quando não anseias por algo, esse algo acontece. E ali estava eu, contemplando a calma maré de pessoas que iam chegando ao Grande Auditório do CCB, tomando os seus lugares - muitas delas, pensava eu, partilhando da mesma expectativa.
Comprei o bilhete logo em Abril e garanti um lugar quase perfeito: 1ª plateia, 2ª fila, ao centro. A noite prometia.
Depois de aproveitar os minutos a absorver cada detalhe do palco - do microfone, ao centro, ao sintetizador à minha esquerda, do familiar contrabaixo digno de uma mostra de design (que saudades!) à imagem projectada no ecrã (liam-se as letras L, A, M e B, nada mais) - as luzes apagaram-se. Começava a primeira parte, Jay Leighton e uma guitarra, canções simples e melódicas. Confesso que estava impaciente e desejava que o descontraído Jay se despachasse.
Mais alguns minutos de espera e, por fim, o acontecimento. As luzes baixaram, entrou Jon Thorne - em palco, os Lamb sempre foram um trio - e o aplauso aumentou de intensidade, quando avistámos Lou (mais bonita que nunca) e Andy. Os primeiros acordes de Another Language davam início ao (já) emocionante reencontro com Lisboa. Era o novíssimo som de 2011 a saudar-nos - melhor ainda, o novo som que recupera a energia original. Tal como na Aula Magna, dei por mim a lutar contra o estar sentado, o corpo já baloiçava de um lado para o outro, braços e cabeça tentavam extravasar a primeira injecção de adrenalina.
A situação piorou com o clássico Little Things: entrávamos agora em território explosivo, Andy a transformar-se naquele dínamo de energia, eu já a cantar alto e bom som. Como se não bastasse, entrou Lusty e tive vontade de rebentar: é só a minha favorita de sempre, para além de ter adquirido toda uma nova dimensão, este ano. Levantei voo, pensei nos tempos áureos da Xis - foi com aquele som que os descobri - e nos novos horizontes do Mesa de Mistura.
A cadeira começava a ser incomportável e, por aquela altura, eu não era o único a senti-lo. Até que, também como na Aula Magna, Lou veio finalmente ao nosso socorro: This one's for all of you to dance, so get up off your seats! Em menos de um segundo, o CCB perdeu a pose e soltou-se com a pujança de Strong The Root e a frescura de Existential Itch. Toda a gente de pé, a dançar.
À medida que a noite avançava, as emoções iam sendo mais nítidas, mais intensas: a névoa do tempo (bolas, há uma década que eu não os via!) dissipava-se cada vez mais, tudo voltava a ser tão familiar: Lou de voz doce, postura serena e sorriso genuíno, Andy totalmente entregue ao momento, ao ritmo e a nós, correndo entre a máquina e a percussão como um puto de 5 anos, puxando pelo público (que saudades da sua comunicação e empatia), pedindo aos técnicos para ligarem as luzes, I wanna see you beautiful faces here tonight! A união dos opostos numa síntese magnífica, o Yin e o Yang, a Terra e o Fogo, a sereia e o cavalo selvagem. Os meus eternos Lamb.
O concerto seguiu com a sensualidade de She Walks... e Gabriel. Será a música que menos ouço dos Lamb (o manistream encarregou-se de desgastá-lo), mas foi certamente um dos momentos altos da noite. Ao vivo, é impossível não nos arrepiarmos. No final, Andy confidenciou-nos algo que me deixou incrédulo: Enquanto tocávamos este tema vieram-me as lágrimas aos olhos, pois apercebi-me que a vida é demasiado curta e acabámos de partilhar um belo momento. Sem palavras.
Da comoção, o retorno à sensualidade com Butterly Effect (brutal! brutal!) e o belíssimo Wise Enough, um apelo à união e ao facto de só estarmos aqui, nesta vida, uma vez. Seguiu-se um momento inédito: Lou de guitarra em punho, a rasgar com o fe-no-me-nal Build a Fire, Lamb em puro estado rock, eu ganhava molas nos pés, o meu corpo era a própria batida.
Por fim... Górecki. Difícil de reproduzir via palavra. O CCB ao rubro, cantando em uníssono, a união total, pessoas emocionadas, indescritível. Como se não bastasse, preparando-se para aquela sequência brutal de percussão, Andy pegou num tambor e correu para a frente do palco... mesmo à nossa frente. Luzes acesas para que ele nos visse, um solo impressionante de beats, eu seguia os seus movimentos com os braços, usando a cadeira à minha frente como o meu tambor. No meio daquela erupção rítmica, por breves instantes, ele fixou o olhar em mim, ele com o seu tambor, eu com a minha cadeira, ele a lançar-me um sorriso cúmplice (estou a ver o que estás a fazer), eu a sorrir-lhe de volta. A minha jam session de breves segundos com Andy Barlow. Nunca mais me vou esquecer disto.
Górecki terminava e a salva de palmas não podia ser maior. O sentimento de gratidão atravessava a sala. Eu só gritava Thank you! Eles, visivelmente emocionados, agradeciam-nos também. Andy pegou nas suas baquetas e ofereceu-as a duas pessoas no público. E saíam de cena. O Grande Auditório estava em êxtase. Não conseguíamos deixar de aplaudir, de chamar pelo encore.
Claro, eles voltaram. E ofereceram-nos o eterno What Sound. Que som, meu Deus, que som! No final, Lou juntou-se a Andy para um dueto de percussão, era a celebração da essência dos Lamb: the beats!
Andy aproveitou o momento para novo agradecimento e novo gesto inesperado: pegou numa máquina fotográfica, empoleirou-se numa coluna e tirou-nos uma fotografia! Todos de braço no ar, sorrisos rasgados, que mais poderia acontecer? Andy olhou para a máquina e disse: Esta não saiu muito bem... vá, vamos tirar outra! Estávamos rendidos, absolutamente rendidos àquele gajo.
De seguida, Lou pediu o nosso silêncio, a nossa atenção. Ia contar-nos uma história. Num gesto de reverência e respeito, acalmámo-nos, o silêncio absoluto. One day, something so magical fell from the sky... Céus, eu estava a ouvir The Spectacle, tão recente mas logo eleita uma das minhas músicas favoritas dos Lamb. Durante 4 minutos, o meu corpo era trespassado por arrepios, um atrás do outro. A performance de Lou foi assombrosa.
O final estava próximo e recebemos nova ordem: All you guys, get close to us! Tal como no início, em menos de um segundo, estávamos a saltar as cadeiras, como que puxados por uma força invisível, mesmo para junto do palco. Lou pegava novamente na guitarra e adivinhava-se algo grandioso: o mítico TransFattyAcid. Só quem esteve lá, consegue perceber o que foi aquilo. O CCB transformado em rave party, a explosão final de energia, o supremo regresso à origem dos Lamb, o passado tornado presente, a celebração total, o clímax. A despedida.
As luzes acenderam e sabíamos que o espectáculo era dado por terminado - de vez. Mas o êxtase geral não deixava o público parar de bater palmas. Algumas pessoas começavam a sair, mas a grande maioria (e digo "grande", mesmo) não se demovia de chamá-los. A noite tinha sido boa demais para terminar ali. Um técnico espreitou para o palco, as palmas cresceram, seriam eles? Não conseguíamos sair dali, ponto final. A música de fundo - que convida as pessoas a sair - começou a tocar, mas em vez de saírmos, acompanhámos o ritmo com as palmas. Olhei para a minha volta e as pessoas sorriam, dançavam. Estávamos felizes. Que noite.
O técnico principal entrou no palco, ainda achámos que o impossível ia acontecer, mas ele gesticulou um Não... sorry folks, vamos é começar a desmontar. Não senti nem um pingo de descontentamento, por termos falhado a proeza. Muito pelo contrário, subi o corredor do Grande Auditório, em direcção à saída, a sentir-me cheio.
Lá fora, a noite não podia estar mais calma, a temperatura perfeita. Regressei a casa com a sensação de que tinha vivido uma experiência... de regresso a Casa.
Thank you ever so much, Lou. Thank you ever so much, Andy.
Photo credits: Imagem do Som, Ana Gonçalves, Manuel Lino.
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